Por Adriana Conrado Zamponi
A Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF) estabelece a prevalência do interesse público e social na manutenção da atividade econômica da empresa em recuperação sobre o interesse privado dos credores dispondo, em seu artigo 47, que: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Por outro lado, considerando que o crédito tributário, em regra, é indisponível e irrenunciável, o Código Tributário Nacional (artigo 187), estabelece que “a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”. E, nesse ponto, a LRF corroborou a norma tributária, estabelecendo que “as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial” (artigo 6º, parágrafo 7º).
Advém das normas acima uma dicotomia entre a autonomia da execução fiscal em relação ao processo de recuperação judicial e o princípio que norteia a LRF (preservação e recuperação da empresa), pois essa autonomia pode embaraçar ou obstar o cumprimento do plano pela empresa recuperanda.
Considerando a divergência, o Superior Tribunal de Justiça, na 37ª edição de Jurisprudência em Teses, editou o Enunciado 8, consolidando o seguinte entendimento: “O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.”
Norteia a jurisprudência dominante o entendimento de se manter concentrado em um único juízo — no caso o da recuperação judicial, mais aparelhado para definir as necessidades da recuperanda — o poder de decidir acerca do destino dos bens pertencentes à empresa em recuperação. Como o juízo da execução pode proferir decisões viabilizando a alienação dos bens penhorados, os tribunais costumam manter a competência do juízo da recuperação para decidir a propósito de eventuais disposições de bens da sociedade em recuperação.
Mas, a despeito do entendimento majoritário, a divergência entre os juízos de recuperação judicial e de execução fiscal continua, e o Superior Tribunal de Justiça segue buscando pacificar a controvérsia.
Na última sessão de 2019 (18/12), a Corte Especial do STJ decidiu que cabe à 2ª Seção, de Direito Privado, julgar conflitos de competência em processos que envolvam execuções fiscais com penhora de bens de empresas em recuperação judicial.
No julgamento do Conflito de Competência 153.998, os ministros da Corte Especial discutiram qual colegiado do STJ deveria julgar o Conflito de Competência 149.622, em que tanto o juízo federal da execução fiscal quanto o juízo recuperacional se declararam competentes para julgar a suspensão da execução fiscal ajuizada em face de empresa em recuperação judicial em que há penhora de bens — a 1ª Seção, especializada em tributação e execuções fiscais, ou a 2ª Seção, especializada em falências e recuperações judiciais.
A relatora, ministra Laurita Vaz, votou pelo não conhecimento do conflito, mantendo-se a competência da 2ª Seção.
O ministro Mauro Campbell conheceu do recurso mas votou pela competência da 1ª Seção para “os casos em que a discussão restringe-se ao prosseguimento da execução fiscal, ainda que com penhora determinada, sem pronunciamento do juízo da recuperação judicial acerca da incompatibilidade da medida com o plano de recuperação”.
A ministra Nancy Andrighi conheceu do recurso e votou pela competência da 2ª Seção, destacando precedente julgado em 2012 pela própria corte, tendo sido acompanhada pelos ministros Sérgio Kukina, Raul Araújo, Maria Thereza de Assis Moura e Napoleão Nunes Maia Filho.
“Nesse passo, seja qual for o estágio em que se encontre o processo recuperacional, as razões para se decidir acerca da conveniência ou não da paralisação da ação executiva ou, ao menos, da prática de atos constritivos sobre o patrimônio da devedora/executada, hão de ser extraídas do exame das disposições que integram o diploma legislativo retrocitado”, disse a ministra.
Diante disso, a ministra entendeu que sobressai a necessidade de a 2ª Seção processar e julgar o conflito instaurado, uma vez que o Regimento Interno do STJ atribui a ela a competência para decidir sobre questões que envolvem recuperações judiciais. E complementou: “Como acréscimo desses argumentos, estou a reafirmar o entendimento assentado por essa Corte Especial à unanimidade quando da apreciação da questão de ordem no conflito de competência 120.432, ocorrida em 19 de setembro de 2012”.
Assim, por maioria de votos, a Corte Especial decidiu que cabe à 2ª Seção do STJ julgar conflitos de competência quando há penhora em execução fiscal de empresa em recuperação judicial. O acórdão ainda será publicado.
Adriana Conrado Zamponi é sócia do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados e tem LLM em Direito Empresarial.
Artigo publicado no Consultor Jurídico.