30 July, 2020 - Articles A preparação dos escritórios e advogados para uma nova era de mediações

Por Mariana Tavares Antunes

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A mediação, no Brasil e no mundo, tem se destacado como um dos mais eficientes métodos de resolução de conflitos nas áreas privada e pública. O processo de mediação funciona através do chamamento de uma terceira pessoa, neutra e imparcial, escolhida de comum acordo pelas partes litigantes, com o objetivo de facilitar a comunicação entre elas. O objetivo final é o de alcançar uma auto composição.

Se a importância do instituto já era crescente, em tempos de pandemia, ouso dizer que o mesmo alcançou o patamar da imprescindibilidade. O isolamento social nos impôs desafios de todas as ordens, com destaque para uma alteração súbita na forma de comunicação e no gerenciamento de expectativas relacionadas ao tempo. De uma hora para a outra, fomos obrigados a abandonar as ferramentas de comunicação presenciais e passamos a utilizar, quase que exclusivamente, os meios eletrônicos, notoriamente mais distantes e menos humanos. E mais, perdemos o controle do tempo, já que ninguém pode precisar ao certo a duração desse período de isolamento.

Nesse contexto, criou-se um abismo entre o tempo necessário para a solução dos conflitos judicializados ou arbitralizados e o tempo das partes em litígio. Consequentemente, ganhou relevância a mediação, como instrumento de auto composição.

Com efeito, as negociações nem sempre são fáceis. E isso por uma razão simples: envolvem relações humanas, muito mais complexas do que a mera aplicação do Direito ao fato concreto. Assim sendo, a função do mediador, de facilitador da comunicação entre as partes em conflito, é de extrema importância.

O mediador não precisa ser advogado, mas é certo que os advogados são, muitas vezes, mediadores, formal ou informalmente. Daí a necessidade de uma formação adequada, já que as funções são completamente distintas.

O advogado, por natureza, tem a função de orientação e defesa dos interesses de seu cliente. O vocábulo deriva da expressão ad vocatus, proveniente do Direito romano, onde o advogado era aquele chamado pelo litigante para falar a seu favor ou defender o seu interesse perante o juízo. O advogado, portanto, desde a sua origem, foi formado para criar soluções e atuar em benefício da parte que representa.

Já o mediador, como visto, atua de forma diferente. Não representa interesses de qualquer das partes, funcionando como mero facilitador do diálogo entre elas. Não assume posições, já que deve ser neutro e imparcial. Atua, na verdade, como um harmonizador, permitindo que as próprias partes construam um caminho comum. Nesse sentido, a Lei 13.140/2015, que regulamentou a Mediação no Brasil, estabelece, em seu art. 1º, parágrafo único, que: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.”

A questão é que, até pouco tempo atrás, existia uma lacuna na formação jurídica em relação à preparação do advogado para o exercício dessa função. Só recentemente, depois da vigência da Lei de Mediação, o MEC editou a Portaria 1351/2018, revisando as diretrizes curriculares dos cursos de graduação em Direito e tornando obrigatórias as disciplinas de Mediação, Conciliação e Arbitragem. Os advogados formados anteriormente, contudo, em sua grande maioria, não tinham acesso a essa preparação mais específica, muito embora a finalidade do Direito, desde a sua origem, seja a de buscar a paz, como já ensinava o eminente jurista alemão Rudolf von Ihering em sua famosa monografia.

O objetivo, portanto, não mudou. A forma de alcançar a paz almejada pelo Direito é que evoluiu bastante, com o desenvolvimento e o ensino de técnicas e métodos para esse fim. Evidentemente, muito antes da positivação da mediação, ela já era praticada, sobretudo pelos mais habilidosos. O talento de aproximar partes oponentes e de auxiliá-las na construção de uma solução comum sempre existiu. Posso dizer, inclusive, que o escritório, capitaneado pelo nosso sócio fundador Arnoldo Wald, foi pioneiro nessa prática, construindo acordos históricos, como, por exemplo, a composição no âmbito da ADPF dos planos econômicos, homologada pela Supremo Tribunal Federal e que pôs fim a milhares de processos judiciais.

A diferença é que, hoje, as técnicas não são mais privilégio dos mais talentosos. Hoje é possível aprendê-las e, quanto mais cedo o treinamento, melhor o domínio.

Cabe aos escritórios, assim, incentivar os seus profissionais a investir na necessária formação e aperfeiçoamento da prática, visando o exercício de um duplo papel: o de mediadores e o de advogados em mediação, nos sentidos lato e estrito. Vale esclarecer que, independentemente da profissão do mediador, é altamente recomendável que as partes, também no processo de mediação, sejam assistidas por advogado. Justamente para garantir que a solução desenhada esteja em consonância com o ordenamento jurídico, evitando, assim, o desgaste de um acordo que, na prática, não seja viável juridicamente.

Sem o preparo adequado, nos deparamos comumente com mediadores que assumem a função de advogados e de advogados que, desavisadamente, acabam por atrapalhar o trabalho do mediador. Nenhum dos dois funciona de forma eficiente.

Enfim, vivemos uma época de reflexão e de profundas mudanças na forma de vida. Momento ideal, portanto, para uma guinada na cultura brasileira do litígio. Aqueles profissionais já preparados para esse novo ambiente com certeza sairão na frente, oferecendo a seus clientes um serviço verdadeiramente diferenciado e aderente às demandas e necessidades do mundo atual.

Artigo publicado na Análise Editorial.

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