29 December, 2019 - Articles Ano foi marcado por uniformização de jurisprudência no país

Por André Abelha

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Quase todos nós, ocupados, experimentamos a sensação de que o tempo voa, aceleradamente. Contudo, tal percepção não vem da quantidade de afazeres – de lazer ou de trabalho – ou dos problemas que enfrentamos no dia-a-dia. A culpa é, simplesmente, da nossa idade. Enquanto envelhecemos, o ano vai representando um pedaço cada vez menor da vida. Para uma criança de 5 anos, o período que passou foi 1/5 do que ela viveu. Para alguém de 50 anos, apenas 2%. Nesse contexto, 2019 se esvaiu mais rápido para uns que para outros. Mas a verdade é que os fatos foram os mesmos, e foram muitos! O que houve de mais significativo no Direito Imobiliário? É preciso destacar algumas novidades.

Comecemos pela Medida Provisória que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. A fim de estabelecer garantias de livre mercado, o governo federal editou, em abril, a MP 881, deixando a coletividade jurídica em ebulição. O texto sofreu ajustes no Congresso Nacional, que a converteu, em agosto, na Lei 13.874 (sancionada em setembro). A revisão, se não eliminou, reduziu em parte a grande polêmica que a envolvia. Será que veremos sensíveis mudanças nos contratos imobiliários, ou as novas regras, no fundo, apenas explicitam o que já decorria do sistema?

Enquanto se discutia a MP 881, chegou a Lei 13.709, alterando a LGPD, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.853/18), e criando, com efeito imediato, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade. Em agosto de 2020, ao entrarem em vigor (se não houver adiamento), as novas regras terão imenso impacto sobre empreendedores e empresas imobiliárias em geral com relação à coleta e tratamento de dados. Nem mesmo os escritórios de advocacia escaparão da sua abrangência.

Ainda em agosto entrou em vigor a Lei 13.867, que prevê a mediação e arbitragem em desapropriações. Agora, o poder público deve notificar o proprietário, com oferta de indenização, contendo: (i) o ato de declaração de utilidade pública; (ii) planta ou descrição do imóvel e (iii) valor da oferta e prazo de 15 dias para aceitação, valendo o silêncio como rejeição. Em caso de silêncio ou rejeição, e ajuizada a ação, o particular poderá optar pela mediação ou arbitragem, escolhendo um dos órgãos ou instituições previamente cadastradas pelo ente desapropriante.

Um fato triste é preciso relembrar: em 26 de agosto, faleceu o ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior. Atuando no Superior Tribunal de Justiça por cerca de 10 anos (1994-2003), o ministro relatou importantes acórdãos que ajudaram a construir a atual jurisprudência do tribunal sobre Direito Imobiliário. Shopping center, hipoteca, condomínio edilício, fraude à execução, arrendamento rural, adjudicação compulsória, ações possessórias, reivindicatória, locação e financiamento imobiliário são apenas alguns dos inúmeros temas para os quais o ministro Ruy Rosado, gaúcho, emprestou sua inteligência, reconhecida por consenso na comunidade jurídica.

No âmbito da Reurb, a Lei 13.865 trouxe medida de estímulo à regularização de imóveis urbanos de baixa renda. A 6.015/73 ganhou o art. 247-A, que dispensa o habite-se para a averbação de construção residencial urbana unifamiliar, desde que a edificação não tenha mais de um pavimento, tenha sido finalizada há mais de 5 anos e esteja em área ocupada predominantemente por população de baixa renda. A dispensa vale inclusive para fins de financiamento à moradia.

Nos negócios imobiliários celebrados por meio de escritura pública ou sujeitos a registro, causa impacto o Provimento 88 do Conselho Nacional de Justiça, de 1º de outubro. Os cartórios passarão a informar à UIF, antigo COAF, operações suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo. O Provimento considera suspeitos uma amplíssima gama de atos, tais como: (i) compra e venda com pagamento por nota promissória acima de R$ 30 mil; (ii) atos envolvendo sociedades offshore e paraísos fiscais; (iii) aquisição e alienação de imóvel, em curto período, com ganho de capital igual ou superior a 50%; e (iv) outorga de procuração com amplos poderes.

O STJ também teve um ano impactante para o Direito Imobiliário, julgando, no regime dos recursos especiais repetitivos, 4 temas sobre incorporação imobiliária, cujos resultados devem ser observados pelos tribunais estaduais, uniformizando a jurisprudência no país. São eles:

  • Temas 970 e 971 (maio): em caso de atraso da obra, a multa em favor do adquirente não pode ser cumulada com pedido de lucros cessantes, desde que contratada em valor coerente com aluguel de mercado. E se o contrato só estabelecer multa em favor do incorporador, ela serve de parâmetro para a indenização a ser arbitrada em prol do consumidor;
  • Tema 1002 (agosto): o adquirente tem direito à devolução integral do que pagou, se o contrato for descumprido pelo incorporador, e parcial (não há percentual pré-fixado) se o inadimplemento for do consumidor. No primeiro caso, os juros sobre o valor a devolver correm da citação do incorporador no processo judicial, e no segundo caso incidem somente a partir do trânsito em julgado da sentença; e
  • Tema 996 (setembro), aplicável aos contratos do Programa Minha Casa Minha Vida: (i) no crédito associativo, o contrato deve prever, de forma clara, um prazo para a formação do grupo, não atrelado à obtenção do financiamento; (ii) em caso de atraso da obra, o adquirente tem direito ao dano material (presumido), proporcional ao valor locativo, e o saldo do preço do imóvel passa a ser corrigido pelo IPC-a em vez do índice setorial; e (iii) os juros de evolução da obra não podem ser cobrados após a data prevista para a entrega da unidade.

Além disso, o STJ publicou 12 teses consolidadas sobre Direito Imobiliário, envolvendo usucapião (4), competência (2), direito real de habitação (2), legitimidade ativa (1), litisconsórcio (1), débitos condominiais (1) e ação de preferência do locatário (1).

Já em dezembro, o governo federal editou a Medida Provisória 910, com mudanças nas regras sobre regularização fundiária das ocupações em áreas da União ou do Incra. Chama atenção a inserção do §17 no art. 213 da Lei de Registros Públicos (6.015/73): na retificação de registro de imóvel rural, como a planta passa pelo INCRA, passam a ser dispensadas as assinaturas dos confrontantes, que são supridas por declaração do requerente de que respeitou os limites e as confrontações. Na verdade, a MP 910 apenas estendeu à retificação de registro o que já se aplicava ao desmembramento, parcelamento e remembramento com georreferenciamento, pois a Lei nº 13.838, também de 2019 (reforçada pela Recomendação nº 41 do CNJ, de 2 de julho), já previa, para tais hipóteses, a mesma dispensa.

Fechando, finalmente, o agitado ano, o Congresso Nacional rejeitou o veto presidencial que havia rejeitado alterações nas regras do regime especial de tributação (RET). Com o veto, o projeto virará lei, e trará importante regras de tributação no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, e deixando claro que o RET vigora até o recebimento integral das vendas das unidades da incorporação com patrimônio de afetação, trazendo mais segurança jurídica.

Eis o principal. O que nos espera para 2020? No país onde até o passado é indefinido, uma coisa se pode afirmar com certeza: teremos algo que nenhum de nós foi capaz de prever. Que pelo menos a surpresa seja boa!

André Abelha é advogado, sócio na área de Direito Imobiliário de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados e vice-presidente do IBRADIM.

Artigo publicado no Consultor Jurídico.

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