Por Adriana Zamponi, Julia de Baére e Paula Naslavsky Lima
Publicado no JOTA
Mudanças legislativas reduziram um dos maiores gargalos de empresas em RJ: os débitos tributários
Sem dúvidas que um dos maiores gargalos de empresas em dificuldades financeiras e que buscam o instituto da recuperação judicial são os seus débitos tributários. Isso porque o Fisco é geralmente um dos maiores credores de empresas em crise (mas viáveis) e o crédito de natureza tributária não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 187 do Código Tributário Nacional, o que afasta, em regra, a suspensão de execuções fiscais em curso, conforme o art. 6º, § 7º-B, da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Inclusive, o art. 57 da mesma lei impõe que o devedor, após a aprovação do plano em assembleia de credores, ou após o decurso do prazo estipulado no art. 55 sem objeções ao plano, junte aos autos a certidão negativa de débito tributário sob pena de não homologação judicial de seu plano de recuperação.
A exceção à regra é a possibilidade de parcelamento do passivo fiscal, conforme dita o art. 68, que prevê que as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, o parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial, de acordo com as diretrizes do Código Tributário Nacional.
A Lei n.º 13.043/2014 criou o parcelamento no âmbito federal prevendo o parcelamento dos débitos fiscais em 84 prestações mensais, condicionado à apresentação de garantia. Alguns estados e municípios também possuem leis específicas sobre o tema, com a concessão de prazos para pagamento dos débitos tributários, de modo a aliviar o fluxo de caixa da empresa recuperanda.
No entanto, com a ausência de novas regras que permitissem o parcelamento da dívida fiscal mais alinhadas com a realidade das empresas que buscam a recuperação judicial e ancorado nos princípios da função social e preservação da empresa, o Judiciário passou a flexibilizar o parcelamento do crédito tributário para empresas em recuperação judicial, com o seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação”.
Desse modo, seguindo a ratio decidendi do Superior Tribunal de Justiça de que a recuperação judicial é regida pelo princípio da preservação da empresa, todos os envolvidos no processo devem fazer concessões quanto ao recebimento dos seus créditos, o que exige do credor fazendário maior disponibilidade a essa modalidade de parcelamento.
A Lei 14.112/2020 trouxe alguns avanços para o pagamento de débitos tributários para a empresa em recuperação judicial, já que antes de sua entrada em vigor, o Estado não concedia sequer redução dos encargos legais incidentes, diferentemente de outros programas de parcelamento especial, com condições de pagamento bem mais vantajosas, além de deságios vultuosos dos encargos legais para contribuintes inadimplentes.
Com a nova Lei de Recuperação Judicial e Falências, o prazo de parcelamento de 84 meses passou para 120 meses. Além disso, foi reduzido o valor inicial das prestações através de alterações na sistemática de cálculo e foi instituída nova modalidade de parcelamento que autoriza a inclusão de tributos passíveis de retenção na fonte e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) retido e não recolhido ao Tesouro Nacional.
Ainda, foi reconhecida hipótese de excludente de tributação para as empresas em recuperação judicial. Explica-se. A Receita Federal entendia que a venda de ativos e a renegociação dos créditos importavam em um aumento patrimonial da devedora, e cobrava IRPJ, CSLL, PIS e Cofins da empresa recuperanda que alienava ativos e/ou renegociava deságio sobre o valor dos créditos de seus credores, enquanto o devedor entendia que tais atos não importavam em acréscimo patrimonial.
Para encerrar tal discussão, o art. 6º-B da Lei 11.101/2005, alterado pela Lei 14.112/2020, estabelece que não incide CSLL sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens durante o processo recuperacional.
Por sua vez, com relação à diminuição da dívida em decorrência dos deságios dos créditos sujeitos à recuperação judicial, o art. 50-A, também inova na Lei 14.112/2020, ao dispor que a receita obtida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo de PIS e Cofins (inciso I), bem como o ganho obtido não se sujeitará ao limite legal (Lei nº 8.981) para apuração do imposto sobre a renda e da CSLL (inciso II), podendo ainda o devedor deduzir as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL (inciso III).
Também para estimular a liquidação dos débitos tributários, o art. 10-A possibilita a “liquidação de até 30% (trinta por cento) da dívida consolidada no parcelamento com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil”.
Outro divisor de águas para a transação tributária foi a Portaria PGFN /ME Nº 2.382, de 26 de fevereiro de 2021, que disciplina os instrumentos de negociação de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS de responsabilidade de contribuintes em processo de recuperação judicial. Importante ressaltar que, a partir do início das tratativas, as execuções fiscais propostas contra a empresa são suspensas. A lei só exige que haja garantia desse passivo.
A nova dinâmica permite o escalonamento dos pagamentos para que o valor pago ao Fisco aumente gradativamente, o que torna exequível o acordo firmado e evita a judicialização.
Por fim, e não menos importante, destaca-se a Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.063, publicada no dia 31 de janeiro deste ano, que regulamenta a possibilidade de inserir, em um único parcelamento, débitos de diferentes espécies tributárias, além de extinguir o limite de R$ 5 milhões para parcelamento simplificado e permitir o reparcelamento da dívida diretamente no sistema e-CAC.
Como é possível observar, as recentes alterações legislativas são benéficas, tanto ao devedor, pois viabilizam a verdadeira busca pela reestruturação da empresa, bem como ao Fisco, ao incentivarem que as empresas não acumulem mais dívidas tributárias e eternizem o seu pagamento por meio de ações judiciais, exigindo, ao menos, que demonstrem interesse em resolver o passivo tributário.
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