Por Marcus Vinicius Vita
O ambiente de polarização que há anos predomina no debate público tem impedido a formação de consensos imprescindíveis para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. Mais uma vez, estamos às voltas com uma discussão que – se não conduzida na direção do entendimento – prejudicará a todos, indistintamente: a regulação das plataformas digitais.
Nessa conjuntura, é essencial que as autoridades, ante a regência do Supremo Tribunal Federal (STF), encontrem uma via de equilíbrio e ponderação. A equação é complexa – e a solução não poderá ser imposta (sob pena de, ao final, percebermos um saldo negativo).
No Congresso Nacional, a querela persiste: à intenção inicial do governo de aprovar o projeto de lei 2630/2020 em regime de urgência contrapôs-se a disposição da oposição de não negociar nada. Tudo isso mesclado à pressão das big techs, que não abdicaram de seu poder de comunicação para combater a proposta.
Aqueles que querem enfrentar as “fake news” se chocam com quem se diz contrário à “censura”, em um cenário que turva o cerne da questão – como assegurar a proteção do usuário enquanto se preserva a liberdade de expressão?
O STF já está analisando ações relacionadas ao tema – referentes, entre outros pontos, à moderação de conteúdos, à possibilidade de suspensão de aplicativos por determinações judiciais e à constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (que obriga os provedores a removerem postagens apenas após sentença do Judiciário).
Ao mesmo tempo, a Corte abriu um inquérito para investigar a atuação de diretores do Google e do Telegram – acusados de realizar uma campanha ostensiva contra o projeto de lei 2630/2020, com vistas a resguardar seus próprios interesses.
O STF tem cumprido com rigor suas incumbencias com a Constituição e o Estado Democrático de Direito ao tomar importantes decisões que balizam o conflito entre direitos e deveres. Neste momento em que a controvérsia atinge proporções críticas, é salutar que o Tribunal coordene um movimento que culmine na construção de uma saída intermediária – apta a fechar as portas para as práticas ilícitas ao passo em que salvaguarda as garantias dos cidadãos.
Em episódios recentes, o STF executou, com sucesso, semelhante papel – como no caso do acordo que permitiu, na ADPF 165, o pagamento de diferenças de perdas inflacionárias decorrentes dos planos Bresser, Verão e Collor II. Podemos citar, ainda, o acordo homologado entre União, Estados e Distrito Federal no tocante ao ICMS dos combustíveis – firmado por intermédio de comissão especial criada pelo ministro Gilmar Mendes no âmbito da ADI 7191 e da ADPF 984.
Agora, o que está em jogo é a sobreposição da liberdade de expressão e da privacidade, no contexto do crescimento da desinformação, em que as tecnologias evoluem e inovam de modo muito rápido. Esta é a hora da definição de limites, pois a livre manifestação do pensamento não contempla a incitação ao crime ou agressões à democracia (cuja consequência nefasta foi verificada no dia 8 de janeiro).
Publicado em O Estado de São Paulo.