Por Julia de Baére, Adriana Conrado Zamponi, Claudia de Souza Trindade e Paula Naslavsky Lima
Ações que incentivam a presença de mulheres nas empresas estão mais frequentes e têm se tornado pauta prioritária
Em tempos de renovação política, é importante trazer à baila pautas relevantes para o desenvolvimento do país e para o desenvolvimento e melhoria da defesa dos direitos de grupos minoritários que historicamente ficaram em segundo plano, muito embora tenham um potencial relevante de contribuição para o ambiente de negócios e da qualidade de vida dos cidadãos em geral.
Neste contexto, se insere a questão das políticas de gênero e, mais especificamente, a representatividade feminina em cargos de direção das empresas, notadamente nos conselhos de administração, que é o principal componente do sistema de governança corporativa, sendo por meio dele que são decididos os rumos dos negócios, visando o melhor interesse da companhia.
O presente texto quer chamar atenção para esse tema, cuja escassa pesquisa já é um fator que contribui para o estado atual de sub-representação feminina nos órgãos de direção das companhias, como se verá a seguir.
De início, cumpre lembrar que a governança corporativa consiste em um conjunto de princípios que representam recomendações a serem empregadas nas organizações para contribuir com a sua longevidade. A governança corporativa tem por objetivo facilitar a relação entre os investidores e as empresas, especialmente aquelas que tomam capital do público investidor, e pode ser definida como a capacidade de as empresas atingirem eficazmente o seu propósito de proteger e promover os interesses das partes interessadas empresariais e da sociedade em geral, minimizando o envolvimento de agentes, da lei ou de agentes reguladores.
Assim, a utilização das práticas de governança afeta o desempenho das organizações e aquelas que adotam as melhores práticas de governança corporativa são mais bem avaliadas pelo mercado no preço de suas ações.
Apesar da crescente participação feminina no mercado de trabalho, a atenção às políticas de gênero não faz parte das principais práticas adotadas pela maioria das organizações no que tange à governança, configurando-se como um problema cultural e social, merecendo, portanto, atenção dos mercados nacional e internacional.
Isso porque estudos demonstram que a participação feminina nos cargos de direção contribui para a melhoria do ambiente corporativo, a exemplo do que se pode ver em trabalho intitulado “A presença de mulheres cria valor às empresas?”, de autoria de Anie Levinbuk Schmiliver, Marcella Scaraficci Teixeira, Mariana Domingues Brandão, Vitória Dantas Andrade e Michele Nascimento Jucá, que se dedicou a demonstrar que a presença de mulheres no conselho de administração e na diretoria aumenta o valor da empresa, bem como melhora a sua performance financeira.
As primeiras leis que asseguraram cotas para a participação feminina nos conselhos das companhias surgiram na Europa, sendo a Noruega a pioneira a adotar legislação nesse sentido em 2003, seguida por Bélgica, Espanha, França, Holanda e Itália. Tais países também implantaram leis estabelecendo cotas reservadas para mulheres em empresas com ações negociadas em bolsa.
Recentemente, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo para criar uma lei que impõe metas de equilíbrio de gênero para as empresas de capital aberto do bloco, o que denota que a maior presença de mulheres nos conselhos de administração de companhias listadas em bolsa vai deixar de ser uma opção ou apenas sinal de boas práticas na União Europeia. O texto prevê que, em colegiados sem função executiva, o percentual mínimo de mulheres deve ser de 40% dos assentos. Em conselhos com funções executivas, o mínimo será de 33%. Em ambos os casos, o prazo de adequação às metas é metade de 2026.
No Brasil, o primeiro passo deu-se com o PL 112/2010, já aprovado no Senado e em tramitação atualmente na Câmara dos Deputados como PL 7179/2017. O texto impõe aos conselhos das empresas públicas, sociedades de economia mista e demais empresas controladas pela União um percentual mínimo de 40% de mulheres em sua composição. O objetivo principal desse projeto de lei é tornar efetiva a presença feminina na composição dos conselhos administrativos, para tentar corrigir distorções na ascensão feminina aos cargos executivos.
Muito embora sem uma imposição legal, matéria recente dá conta de que as ações que incentivam a presença de mulheres nas empresas estão cada vez mais frequentes e têm se tornado uma pauta prioritária, sendo possível notar-se o crescimento da participação feminina no mercado e nos conselhos de administração.
O percentual de mulheres nos conselhos passou de 13% em 2020 para 16% em 2021, de acordo com o Estudo de Conselhos de Administração 2021, feito pela Korn Ferry, empresa global de consultoria organizacional. É possível identificar na pesquisa um quadro evolutivo com indicadores, de 2015 a 2021, separados por temas.
No tema “Novos”, em 2020, as novas conselheiras mulheres representavam 12,8% e este número passou para 19% em 2021. Tal notícia é alvissareira, especialmente em se considerando que o crescimento surge em um período adverso, marcado pela pandemia da Covid-19, cujas implicações penalizaram ainda mais as mulheres que tiveram experiências, muitas vezes, marcadas pela perda de remuneração, sobrecarga de trabalho e até mesmo pelo enfrentamento às doenças físicas e emocionais. Contudo, o estudo alerta que, mantido esse ritmo de crescimento observado nos últimos cinco anos, a equidade de gênero somente será alcançada em torno de 30 anos.
Mais recentemente, a Deloitte Global divulgou o resultado da pesquisa que realiza desde 2010. A sétima edição do estudo global “Mulheres no Conselho”, publicada em fevereiro de 2022, inclui atualizações de 51 países, entre eles o Brasil, sobre diversidade de gênero em seus conselhos e analisa as tendências políticas, sociais e legislativas por trás desses números.
O resultado da pesquisa revela que uma média global de apenas 19,7% dos assentos no conselho são ocupados por mulheres, um aumento de 2,8% desde a pesquisa anterior realizada em 2018. Comparado ao relatório divulgado em 2018, o relatório de 2021 reduziu em 7 anos a projeção para se alcançar a paridade — mesmo assim, apenas em 2045.
Segundo a Deloitte, o Brasil está em 39ª posição no ranking com 51 empresas analisadas, com 115 cadeiras ocupadas por mulheres nos conselhos, um aumento de 1,8%, um pouco maior do que a média de 1% ao ano observada nos últimos anos.
Em âmbito global, o relatório aponta ainda que empresas com CEOs mulheres têm, em média, conselhos significativamente mais equilibrados em termos de gênero do que aquelas com CEOs homens: 33,5% contra 19,4%, respectivamente. No entanto, as mulheres ocupam apenas 5% das posições de CEO.
A necessidade da edição de leis impondo a adoção das chamadas políticas afirmativas visa criar instrumentos de superação do chamado teto de vidro (glass ceiling), que consiste em barreiras intransponíveis e invisíveis, mas perceptíveis na análise de progressão da carreira, que impossibilitam a ascensão feminina nas empresas, em virtude da classificação do gênero feminino como inferior, ou seja, consiste na restrição feminina a certos cargos e posições.
Além disso, é preciso ressaltar que a mera inclusão feminina nos conselhos não desvincula a estrutura de dominação masculina. Uma possível explicação trazida pelos autores Claudio Pilar da Silva Júnior e Orleans Silva Martins é o tokenism, fenômeno no qual a inserção da minoria, neste caso, a inclusão feminina, em grupos onde há a prevalência de grupos dominantes, não possui o mesmo poder, nem a influência do grupo dominante, em virtude de ser minoria, portanto, não interferindo muito nos resultados.
Nesse sentido, esforços para o aumento da participação feminina e das minorias em cargos da alta hierarquia e decisórios deverão ser acompanhados de políticas de conscientização e mudança cultural a fim de promover verdadeiramente a diversidade e seus benefícios.
BRASIL, Câmara dos Deputados, em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2126313 – acesso em 01.09.2022
DA SILVA JÚNIOR, Claudio Pilar e MARTINS, Orleans Silva. Mulheres no Conselho Afetam o Desempenho Financeiro? Uma Análise da Representação Feminina nas Empresas Listadas na BM&FBOVESPA, https://pdfs.semanticscholar.org/8362/1b3ddae4d19084e4fe708c14922a886a54c7.pdf acesso em 31.08.2022
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Relatório de Mulheres na Administração das Empresas Brasileiras Listadas – 2010 e 2011. São Paulo, 2013.
Mulheres ocupam 14,3% das posições em conselhos no Brasil em https://www.ibgc.org.br/blog/pesquisa-diversidade-mulheres-conselhos-no-Brasil – acesso em 01.09.2022
MADALOZZO, R. “CEOs e Composição do Conselho de Administração: a falta de identificação pode ser motivo para existência de teto de vidro para mulheres no Brasil?”, RAC, Vol. 15 No. 1, pp. 126-37, 2011
SCHMILIVER, Anie Levinbuk et aili. A presença de mulheres cria valor às empresas? em http://revista.fumec.br/index.php/pretexto/article/view/6700, acesso 31.08.2022
Artigo publicado no JOTA.