24 April, 2023 - Articles Reflexões sobre o Dia da Terra

Por Arnoldo Wald, Patrícia Iglecias e Caroline Marques Leal Jorge Santo

Artigo publicado em O Estado de São Paulo

Em 2019, a ONU oficializou a data de 22 de abril como Dia Internacional da Mãe Terra, ou Dia da Terra, mas sua origem remonta à década de 1970, a partir dos esforços do senador estadunidense Gaylord Nelson para conscientizar o país acerca da necessidade de promover ações para um planeta mais sustentável. A iniciativa mobilizou cerca de 20 milhões de pessoas que protestaram em diferentes cidades americanas e contribuiu para a criação da EPA, a agência ambiental dos Estados Unidos, e do Clean Air Act (a Lei do Ar Limpo), ambos naquele mesmo ano.

Portanto, mais do que um motivo para celebrar, o Dia da Terra impõe uma reflexão acerca do papel de cada país e de cada indivíduo em prol da conservação do meio ambiente. Com efeito, das mais diversas conferências desde Estocolmo (1972) aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a ONU tem reforçado o apelo contra a inação e por mudanças urgentes em busca de um modelo de desenvolvimento que funcione para o planeta assim como para as pessoas.

E o Brasil, ostentando o primeiro lugar do mundo em biodiversidade e possuindo o maior potencial em soluções climáticas naturais para o sequestro de carbono, tem um papel fundamental a exercer no cenário internacional, mas para isso precisa fazer sua lição de casa, estabelecendo uma política uniforme num país de dimensões continentais que apresenta realidades muito contrastantes tanto em termos de proteção ambiental quanto de desenvolvimento socioeconômico.

Em termos práticos, enquanto o consumo global de energia é a maior fonte antrópica das emissões de gases de efeito estufa, responsável por 73% do seu total, no Brasil esse setor tem uma participação relativamente baixa nas emissões, em virtude da utilização de energias renováveis. Por conseguinte, as principais fontes brasileiras estão relacionadas às atividades de uso do solo. Estima-se que, dos cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico) emitidos no País por ano, mais da metade esteja relacionada à queima de árvores.

Há, portanto, um inegável potencial econômico na proteção da biodiversidade brasileira por meio da estocagem de carbono que segue, por ora, pouco explorado. Não obstante, apesar de as chamadas Soluções Baseadas na Natureza representarem uma grande oportunidade, não é possível depender exclusivamente delas. Em outras palavras, o êxito em limitar o aquecimento global abaixo de 1,5°C, nos termos acordados em 2015, depende de uma abordagem multifacetada.

Nesse sentido, superando a falaciosa premissa que opõe a proteção ambiental às atividades econômicas, a estruturação de um mercado de carbono no Brasil tem mostrado a convergência de interesses entre os setores público e privado para devolver o protagonismo do País no tema da justiça climática. Assim, com vistas à criação de ativos para a redução das emissões de gases de efeito estufa, aliam-se, por exemplo, iniciativas de restauração ecológica, diversificação da matriz energética e incorporação de ecotecnologias.

E se antes a adoção de práticas mais sustentáveis pelas empresas era vista com desconfiança, muitas vezes traduzindo um propósito meramente publicitário, prática que ficou conhecida pelo anglicanismo greenwashing (lavagem verde), cada vez mais a agenda ESG (acrônimo de Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança) tem se tornado parte dos valores e pressuposto dos negócios.

Por outro lado, o setor público parece ter reconhecido a insuficiência dos instrumentos de comando e controle e o viés puramente repressor do Estado na mitigação dos danos ambientais, e apostado no estímulo do setor produtivo rumo à economia de baixo carbono, além do aproveitamento do potencial econômico intrínseco à proteção do meio ambiente.

Dessa forma, se a estruturação pública de um mercado de carbono é imprescindível para que o Brasil possa cumprir as obrigações que assumiu no Acordo de Paris e retomar seu protagonismo na temática ambiental, o NETZero, ou seja, a neutralidade de emissões líquidas de gases de efeito estufa, dependerá igualmente do fomento de um mercado livre ou voluntário, que represente um compromisso de empresas e cidadãos em prol da descarbonização.

Ao fim e ao cabo, se é possível extrair lições do passado para lidar com os dilemas do presente e do futuro, devemos reconhecer que nenhuma lei será suficientemente eficaz e nenhuma ação será rápida o bastante para alterar o status quo, se não for encampada por todos. A complexidade da crise ambiental não será equacionada por uma solução única. Ao contrário, ela demanda a aplicação de uma régua de Lesbos que se amolde à necessidade de coexistirmos sob os auspícios da Mãe Terra.

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