09 janeiro, 2024 - Artigos COP-28 de Dubai: a importância do financiamento climático

Por Patrícia Iglecias e Gabriel Wedy

Estivemos em Dubai para acompanhar de perto os intensos debates da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática e participar de diversos painéis que reforçaram a necessidade de medidas efetivas, com metas mensuráveis, em prol da agenda climática.

Pela primeira vez desde que as nações começaram a se reunir, há três décadas, para enfrentar as mudanças climáticas, diplomatas de quase 200 países aprovaram, em Dubai, um pacto global que pede explicitamente uma transição energética que afaste a humanidade dos combustíveis fósseis, como o petróleo, o gás e o carvão, que estão a aquecer perigosamente o planeta.

O acordo, ocorrido no último mês de dezembro, no ano mais quente de que se tem registro (2023), foi finalizado após 15 dias de árduo debate. Os líderes europeus e muitas das nações mais vulneráveis às catástrofes provocadas pelo clima pediram o emprego de uma linguagem que apelasse a uma completa eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Essa proposta, contudo, enfrentou uma forte resistência dos grandes exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita e o Iraque, bem como de países em desenvolvimento, como a Índia e a Nigéria.

Os negociadores chegaram a um compromisso que clama aos países para acelerarem o abandono global dos combustíveis fósseis durante esta década de uma forma justa, ordenada e equitativa e para que as nações deixem de adicionar dióxido de carbono à atmosfera até meados deste século. Também restou consignado o comprometimento dos países para que seja triplicada a quantidade de energia renovável, como as energias eólica e solar, instaladas em todo o mundo até 2030 e para que sejam reduzidas as emissões de metano, gás cujo efeito estufa é mais potente do que o dióxido de carbono no curto prazo.

Embora todos os acordos climáticos anteriores da ONU tenham instado os países a reduzir as emissões, sempre evitaram mencionar explicitamente a expressão “combustíveis fósseis, apesar de a queima de petróleo, gás e carvão ser a principal causa do aquecimento global.

O novo acordo não é juridicamente vinculante e não pode, por si só, forçar nenhum país a agir. No entanto, muitos dos políticos, ambientalistas e líderes empresariais reunidos na COP-28 esperavam que este acordo enviasse uma mensagem mais clara aos investidores e políticos no sentido de que o abandono dos combustíveis fósseis é inevitável. Nos próximos dois anos, entretanto, cada país deverá apresentar um plano formal e pormenorizado sobre a forma como pretende reduzir as emissões de gases com efeito estufa até 2035.

O acordo, de outro lado, representa uma vitória diplomática para os Emirados Árabes Unidos, a nação mais rica em petróleo no Mundo, que acolheu as conversações num belíssimo centro de exposições localizado, de um modo um pouco contraditório, a poucas milhas de distância da maior central elétrica movida a gás natural do mundo.

O sultão Al Jaber, representante dos Emirados e executivo do setor petrolífero que presidiu os debates, enfrentou queixas sobre conflitos de interesses e resistiu aos primeiros apelos à sua destituição no início do evento. Por sinal, um número recorde de lobistas dos combustíveis fósseis inundou a COP-28. A Abu Dhabi National Oil Company, empresa dirigida por Al Jaber, apenas a título de exemplo, vai investir pelo menos US$ 150 bilhões nos próximos cinco anos para aumentar a perfuração de poços de petróleo.

Todavia, importante grifar que Al Jaber também considerou inevitável a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis da economia e apostou a sua reputação na capacidade de persuadir outras nações produtoras de petróleo a assinarem um novo e importante acordo sobre o clima capaz de buscar a transição energética.

Resta saber se os países vão cumprir o acordo. Os cientistas afirmam que as nações terão de reduzir as suas emissões de gases com efeito estufa em cerca de 43% durante esta década se quiserem limitar o aquecimento global total em 1,5 grau Celsius, em comparação com os níveis pré-industriais. Para além desse nível, dizem os cientistas, os seres humanos poderão ter dificuldades em se adaptar ao aumento do nível dos oceanos, aos incêndios florestais, às tempestades extremas e à seca.

No entanto, as emissões globais de combustíveis fósseis bateram recordes no ano passado, e o mundo já aqueceu mais de 1,2 grau. Muitos cientistas afirmam que, atualmente, é altamente improvável que a humanidade consiga limitar o aquecimento em 1,5 grau, embora acrescentem que os países devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para manter o aquecimento o mais baixo possível.

Representantes de pequenas nações-ilha, cujas costas estão a desaparecer com o aumento do nível dos oceanos  e cujas reservas de água potável estão a encher-se de água salgada, afirmaram que o novo acordo sobre o clima tem muitas lacunas e até bravatas e não é suficiente para evitar uma catástrofe climática.

Os acordos climáticos anteriores, na maioria das vezes, não resultaram em ações significativas. Em 2021, as nações chegaram a um acordo em Glasgow para reduzir gradualmente as centrais elétricas alimentadas pelo carvão, mas a Grã-Bretanha, por exemplo, aprovou a exploração de uma nova e imensa mina de carvão apenas um ano mais tarde e, desde então, a utilização global deste mineral  disparou para níveis nunca antes visto na história da Europa e em outros continentes.

Mesmo quando os negociadores dos Estados Unidos e da Europa pressionavam energicamente por um acordo para reduzir o uso de combustíveis fósseis durante a COP-28, os ambientalistas apontavam para a incoerência da produção de petróleo nos Estados Unidos estar aumentando, bem como o gasto de bilhões de euros por países europeus para a construção de terminais para viabilizar a importação de gás natural liquefeito, em virtude da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

A Arábia Saudita e as empresas petrolíferas e de gás argumentaram, ao seu turno, que as conversações deveriam centrar-se nas emissões, em vez de nos combustíveis fósseis propriamente ditos, em virtude da possibilidade de novas tecnologias de  captura e de armazenamento de carbono possuírem a real capacidade de enterrar os gases com efeito estufa provenientes da queima do petróleo e do gás e, assim, permitir a sua utilização continuada. Até à data, as nações têm tido dificuldades em implementar tais tecnologias em larga escala.

Outros líderes mundiais contrapuseram este argumento sob a alegação de que a melhor forma de reduzir as emissões é realizar uma transição profunda para uma energia mais limpa, como a solar, a eólica ou a nuclear, reservando a captura de carbono para situações raras em que as alternativas sustentáveis não estão disponíveis.

O texto final apelou às nações, mesmo assim, para que acelerem a captura de carbono. Alguns negociadores, no entanto, mostraram-se preocupados com o fato de as empresas de combustíveis fósseis poderem aproveitar esta linguagem relativizada para continuarem a emitir taxas elevadas de gases de efeito estufa, prometendo capturar as emissões apenas no futuro.

O acordo final também reconhece que os chamados combustíveis de transição podem desempenhar um papel na mudança para as energias limpas e garantir a segurança energética. A expressão “combustíveis de transição” é vista como um código para o gás natural, algo que os países produtores, como a Rússia e o Irã, haviam reivindicado. Alguns países que pretendem acabar com os combustíveis fósseis, por sua vez, lamentaram a inclusão desta expressão por entendê-la como um retrocesso.

Chegou a se cogitar, em rascunho que circulou na COP-28, um possível acordo que pedia às nações que deixassem de emitir licenças de funcionamento para novas centrais elétricas à carvão, a menos que estas pudessem capturar e enterrar as suas emissões de dióxido de carbono. Mas países como a China e a Índia, que ainda estão construindo grandes centrais movidas à carvão para satisfazer a crescente procura de energia, opuseram-se de modo veemente a tais restrições. O texto, assim, sobre as novas centrais movidas pela queima do carvão, foi retirado da versão final.

Muitos países africanos, por sua vez, criticaram fortemente a ideia de que todos deveriam reduzir o consumo de combustíveis fósseis no mesmo ritmo. Sem ajuda financeira externa, os países africanos argumentaram que teriam de explorar as suas próprias reservas de petróleo e gás para se tornarem suficientemente ricos para financiar a transição para as energias limpas e, ainda, resolverem seus problemas sociais e econômicos.

Alguns líderes mundiais também criticaram os ricos emissores, como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, por não fornecerem apoio financeiro suficiente para que os países pobres possam abandonar os combustíveis fósseis. Nos países em desenvolvimento localizados na África, na América Latina e no Sudeste Asiático, são conhecidas as taxas de juros exorbitantes que dificultam o financiamento de novos projetos para a expansão das energias renováveis e de pesquisa para a busca de novas fontes de energia limpa.

O novo acordo faz referência, importante ressaltar, por fim, à importância do financiamento climático, mas os países concordaram em abordar com maior profundidade a questão na próxima rodada de negociações sobre o clima em Baku, no Azerbaijão, na COP-29 do final deste ano (2024). Não é demais lembrar que a COP-30, em 2025, será sediada no Brasil, um país continental e com grandes diferenças sociais, o que reforça, ainda, a necessidade de maior espaço para as discussões sobre justiça climática.

Publicado por Conjur.com

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