Por Marcus Vinicius Vita
A separação dos Poderes é cláusula pétrea — e não pode ser contrafeita por deputados e senadores ao sabor das conveniências político-eleitorais
Não fosse o Brasil pródigo em importar maus exemplos, desnecessário seria o aviso de que, aqui, a separação dos Poderes é cláusula pétrea — e não pode ser contrafeita por deputados e senadores ao sabor das conveniências político-eleitorais. Nesse contexto, a situação a se rejeitar por antecipação é a de Israel, que enfrenta um processo de dilapidação das garantias responsáveis por alçar o país à condição de nação democrática. Nos últimos dias viu-se uma interferência direta no Judiciário do país, que chegou a estabelecer restrições hermenêuticas aos julgadores, como a vedação ao uso do princípio da razoabilidade.
Ao que se tem notícia, a investida legislativa em Israel ocorreu porque o governo incomodou-se com a exacerbação do papel da Suprema Corte, que agiu premida pela necessidade de julgar temas sensíveis — como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a permanência no poder de agentes acusados de desvios éticos. Nesse último caso, impossível não lembrar, no Brasil, em passado recente, a reação contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — que, igualmente, viram-se obrigados a impedir atos do Executivo da mais alta gravidade institucional.
Há incontáveis diferenças entre Brasil e Israel, é claro (históricas, culturais, econômicas), mas em um aspecto se assemelham: ambos vivenciaram ataques ao regime democrático por meio de atentados à autonomia do Judiciário. Lá e cá, as cortes superiores se encarregam de assegurar os direitos da população e garantir o cumprimento da lei — disposição que, invariavelmente, desagrada às autoridades refratárias à imposição de limites à sua atuação. Daí emergem os conflitos.
No Brasil, em matéria de propostas, já se viu de tudo na tentativa da barbárie: de pedidos de impeachment e fixação de mandatos até o aumento do número de integrantes do STF — sempre com a finalidade de tolher e limitar o Judiciário. Isso, obviamente, sem mencionar os repugnantes ataques aos ministros em redes sociais e até mesmo fisicamente.
Enquanto no Brasil as ambições autoritárias se esfacelaram com as respostas firmes do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Israel, os freios e contrapesos – tão necessários à saúde das repúblicas democráticas — começaram a ruir, deixando um rastro de protestos e de repressão atrás de si, já que homens e mulheres não assistem passivamente ao desenrolar dos fatos.
No Brasil, as agressões às instituições, ainda que patrocinadas por grupos políticos, contaram com uma estrutura de fachada popular, que tencionou dar ao movimento certa aparência democrática. Foram pessoas comuns os protagonistas das cenas de depredação dos prédios públicos no dia 8 de janeiro – gente de todas as regiões, que se deixou arregimentar por um delirante e criminoso projeto de regresso à ditadura.
Já em Israel a mobilização das ruas joga no lado oposto, contra as investidas que visam impedir a Suprema Corte de intervir em decisões “não proporcionais” do Executivo. Na prática, a medida – recentemente aprovada pelo Legislativo – retira do Judiciário a competência para barrar ações de governo, indicações de ministros e nomeações para cargos públicos.
Analistas são unânimes ao afirmar que a chamada “reforma judicial” é inconstitucional, apesar de Israel não possuir uma Constituição propriamente dita, e permitirá ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, governar com descomedimentos de autocrata.
Por sorte, o Brasil está vacinado contra semelhantes iniciativas, que já assomaram no Congresso Nacional no passado recente, mas acabaram sepultadas – não sem gerar controvérsia. Apresentada 12 anos atrás, a PEC 33/2011 condicionava o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF ao referendo do Legislativo, incumbido também da palavra final sobre eventual inconstitucionalidade das emendas sancionadas. Em 2022, o deputado Domingos Sávio (PL-MG) reuniu assinaturas para a proposição de uma PEC que dava ao parlamento o poder de suspender determinações do STF; no entanto, do mesmo modo, a matéria não vingou.
E o motivo, nos dois casos, é elementar: inscrito no artigo 2º da Constituição, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes não admite que um viole prerrogativas do outro – tampouco que lhe subtraia competências –, afinal, o equilíbrio é imprescindível para a supremacia do interesse público e, mais do que isso, para que a sociedade se proteja das arbitrariedades dos mandantes de turno, a despeito de quem sejam.
A pergunta que fica, agora, é: qual será a resposta da Suprema Corte de Israel?
Publicado no Correio Braziliense.